O presidente Luiz Inácio Lula da Silva assinou, no dia 17 de setembro, Medida Provisória que cria o Regime Especial de Tributação para Serviços de Data Center no Brasil, o Redata. O programa faz parte da Política Nacional de Data Centers (PNDC), vinculado à Nova Indústria Brasil (NIB), Missão 4 (Transformação Digital), e busca impulsionar o crescimento nacional em áreas estratégicas da Indústria 4.0, tais como computação em nuvem, inteligência artificial, smart factories e Internet das Coisas, ampliando a capacidade brasileira de armazenagem, processamento e gestão de dados.
A MP vincula os incentivos a contrapartidas financeiras em pesquisa e desenvolvimento que promovam o adensamento das cadeias produtivas digitais no Brasil, instituindo ainda percentuais mínimos de destinação dos serviços para o mercado interno. A medida também estimula a desconcentração regional, reduzindo as contrapartidas para investimentos no Norte, Nordeste e Centro-Oeste.
No Projeto de Lei Orçamentário Anual (PLOA) 2026, o governo reservou R$ 5,2 bilhões para o Redata. A partir de 2027, o programa contará também com os benefícios da Reforma Tributária.
Para o vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), Geraldo Alckmin, o projeto representa um grande passo para o processo de transformação digital da indústria brasileira, previsto na Missão 4 da Nova Indústria Brasil. “Há uma expectativa de que o Brasil possa atrair R$ 2 trilhões de investimentos, ao longo de 10 anos, gerando aqui inovação, fortalecendo inteligência artificial, melhorando a produtividade, gerando emprego e renda. Um grande dia”, destacou.
Os incentivos previstos na MP garantem isenção de PIS/Pasep, Cofins e IPI na aquisição de equipamentos de TIC, importados ou produzidos no Brasil, destinados à implantação, ampliação e manutenção de data centers. Equipamentos sem produção nacional similar ficam isentos também de imposto de importação.
Em contrapartida aos incentivos do Redata, as empresas terão de aportar 2% do valor dos produtos adquiridos no mercado interno ou importado em investimentos em projetos de pesquisa, desenvolvimento e inovação. O recurso será aplicado em programas prioritários de apoio ao desenvolvimento e adensamento industrial da cadeia produtiva de economia digital.
As empresas beneficiadas pelo Redata também terão que disponibilizar para o mercado nacional no mínimo 10% da capacidade de processamento, armazenagem e tratamento de dados.
No caso de empreendimentos para as regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, a política prevê a redução de 20% dessas duas obrigatoriedades.
Outra contrapartida essencial será o cumprimento de rigorosos critérios de sustentabilidade, como energia renovável ou limpa e padrões de eficiência hídrica, entre outras condições a serem definidas em regulamentação nos próximos meses.
Em caso de descumprimento das obrigações, a empresa perderá os benefícios e terá de recolher os tributos com multa e juros, além de ser impedida de retornar ao regime por dois anos.
CENÁRIO ATUAL
Diagnóstico do Ministério da Fazenda aponta elevada dependência nacional em relação a serviços digitais prestados no exterior, atingindo atualmente cerca de 60% das cargas digitais brasileiras.
A situação implica riscos à soberania nacional, limita o desempenho operacional das aplicações digitais e acarreta déficits na balança comercial do setor. O déficit do setor de elétricos e eletrônicos na balança foi de US$ 40 bilhões em 2024; e de US$ 7,1 bi no setor de serviços, sendo a maior parte relacionada ao processamento e armazenagem de dados.
A implementação da política leva em conta ainda as vantagens comparativas do Brasil para atração de datacenters, como energia renovável a preços competitivos e infraestrutura de comunicações adequada para o tráfego internacional de dados por meio de cabos submarinos em operação.
Apesar desse potencial, o Brasil possui uma participação pequena no mercado mundial de datacenters, ocupando a 10ª participação relativa, atrás de países como Japão e Holanda.
Os benefícios previstos pelo Redata terão validade de até cinco anos, alinhando-se ao novo regime de transição tributária definido pela Reforma Tributária.
REPERCUSSÃO DO REDATA
A Brasscom, Associação das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação (TIC) e de Tecnologias Digitais, considera a Medida Provisória dos Data Centers (ReData), enviada em 17 de setembro ao Congresso Nacional, um passo decisivo para consolidar o Brasil como um hub global de infraestrutura digital e para impulsionar o desenvolvimento da economia digital em nosso país.
A medida antecipa a desoneração de investimentos contemplada na Reforma Tributária, cria bases legais e regulatórias que aumentam a segurança jurídica e destravam aportes no setor de data centers e processamento de dados. Empresas aguardavam a publicação da MP para avançar com investimentos no Brasil que terão uma forte expansão prevista nos próximos anos em diversas regiões do país.
Além de impulsionar a competitividade, a MP potencializa a capacidade brasileira de geração de energia limpa e renovável, estabelecendo um diferencial estratégico no cenário global. Também prevê que 2% dos investimentos sejam destinados ao desenvolvimento tecnológico local, fortalecendo a inovação e a qualificação do ecossistema nacional de TIC.
A associação reforça que o setor está comprometido com práticas sustentáveis. Estudos técnicos da entidade indicam que, até 2030, os data centers devem consumir menos de 0,01% da água disponível no país e cerca de 4% da energia elétrica nacional, índices plenamente absorvíveis pelo sistema elétrico nacional, segundo especialistas e autoridades do setor.
Com mais de 90% da capacidade mundial de processamento de dados ainda concentrada fora do Brasil, a MP do ReData representa uma oportunidade única para ampliar a presença brasileira na nova economia digital e colocar o país no centro do jogo estratégico global.
A Brasscom reitera seu compromisso de colaborar com o Congresso Nacional e o Governo Federal para o aprimoramento da medida, visando um ambiente regulatório que estimule o crescimento econômico sustentável, a inovação e a competitividade global do Brasil.
CRÍTICA
O Instituto de Defesa de Consumidores (Idec), o Instituto de Pesquisa em Direito e Tecnologia do Recife (IP.rec) e o Laboratório de Políticas Públicas e Internet (Lapin) manifestaram preocupação com o formato e o conteúdo da proposta de Política Nacional de Data Centers (ReData) na forma em que foi apresentada.
“Reconhecemos a relevância de fortalecer a infraestrutura digital do país e de promover cadeias produtivas tecnológicas próprias. No entanto, o processo de formulação dessa medida provisória foi marcado pela falta de transparência. Houve exclusão da sociedade civil dos processos decisórios e foram realizadas reuniões prévias com grandes empresas antes de qualquer debate público ou diálogo com comunidades afetadas. Além disso, não houve uma abordagem séria e consistente das implicações socioambientais e climáticas, que deveriam estar no centro de qualquer proposta desse tipo”, afirmaram as entidades em nota à imprensa que segue abaixo.
O texto revela uma incongruência grave do governo federal. Nos últimos meses, o Poder Executivo tem levantado a bandeira da soberania nacional como princípio estratégico. Mas, ao mesmo tempo, se dispõe a entregar nossos recursos naturais às grandes corporações do setor de data centers e big techs. São empresas que, no Brasil, já se mostraram vetores de práticas antidemocráticas e que concentram poder econômico e político em escala global.
Esses incentivos vêm sendo utilizados como moeda de troca em negociações econômicas. Enquanto isso, ignora-se a construção de uma política pública estratégica voltada ao interesse coletivo e à proteção da natureza. Essa contradição expõe a fragilidade de um modelo de digitalização que privilegia interesses privados em detrimento da democracia, da justiça socioambiental e da autonomia do país.
A proposta carece de salvaguardas socioambientais e climáticas explícitas para prevenir impactos já constatados em experiências internacionais e nacionais. Entre eles, estão: agravamento do estresse hídrico, aumento de custos energéticos locais, poluição, conflitos territoriais e exclusão de comunidades locais, indígenas e tradicionais dos processos decisórios. Menções às obrigações ambientais são vagas e sem definições claras de termos como “energia limpa” ou “eficiência hídrica”.
Embora se fale em contrapartidas como energia renovável e padrões de eficiência, esses critérios ainda serão definidos em regulamentação futura. Mesmo com a previsão de perda de benefícios e sanções em caso de descumprimento, a falta de parâmetros objetivos dá ampla margem de discricionariedade.
Soma-se a isso a falta de regras sobre extrativismo mineral, destinação de resíduos eletrônicos e responsabilidade no ciclo de vida de equipamentos como GPUs, baterias e servidores. Data centers exigem extração intensiva de minérios estratégicos e geram volumes significativos de resíduos especializados e materiais críticos. Esses materiais exigem logística reversa, reciclagem e redução de toxinas. Sem regras, o país será mais um repositório de sucata eletrônica.
Ao priorizar incentivos fiscais, regimes especiais e isenção de tributos e tarifas de importação, a medida trata a questão como mero problema tributário e de competitividade econômica. Reduz a sustentabilidade a uma diretriz opcional, sem mecanismos vinculantes que assegurem proteção ambiental ou justiça social.
A ausência de exigência de estudos de impacto ambiental, hídrico e energético cumulativo antes da concessão de licenciamento ou benefícios fiscais é inaceitável. A experiência recente com grandes empreendimentos em Eldorado do Sul (RS) e em Caucaia (CE) já demonstra o custo dessa omissão. Houve ausência de planejamento integrado, inexistência de consulta às comunidades locais e agravamento de desastres ambientais.
O texto do ReData não faz nenhuma menção direta ou indireta a medidas envolvendo comunidades locais. Não há consulta ou mecanismos de diálogo, participação ativa e reparação de comunidades afetadas pelas construções e instalações dessas infraestruturas. A proposta também ignora a obrigatoriedade de consulta prévia, livre e informada a povos indígenas e comunidades tradicionais, conforme previsto em tratados internacionais ratificados pelo Brasil.
Por fim, ao não vedar explicitamente a instalação de projetos em áreas de risco hídrico, zonas de desastre ou territórios sujeitos a eventos climáticos extremos, o governo reforça a possibilidade de repetição de modelos insustentáveis. Esses modelos já foram criticados em outros países, como Chile e Irlanda, que enfrentam hoje crises agudas de água e energia relacionadas à instalação de data centers.
Defendemos que investimentos públicos e incentivos fiscais para infraestrutura digital só podem ser legítimos se condicionados a salvaguardas socioambientais robustas, mecanismos efetivos de participação democrática e total transparência. Sem essas garantias, o Estado corre o risco de financiar, com recursos públicos, um modelo de digitalização que amplia desigualdades territoriais, intensifica crises socioambientais e compromete a própria soberania que afirma defender. Tudo isso em benefício de interesses privados estrangeiros e de uma lógica extrativista de infraestrutura digital. Para saber mais sobre a MP, acesse o site.
Para continuar por dentro das principais notícias do mundo da indústria 4.0, acesse o nosso site.