Sem o gás da Rússia, uso do carvão em motores agrícolas ameaça voltar

Embora pareça irreversível, a transição energética dos combustíveis fósseis para modalidades mais limpas pode estar vivendo um momento de inflexão em diversas partes do mundo – e principalmente nas regiões mais desenvolvidas, como Europa, China e Estados Unidos.

A principal razão é, felizmente, conjuntural, e não deve durar muito tempo. Reside nos transtornos que a guerra entre a Rússia e a Ucrânia vem provocando no mercado de petróleo e gás natural. Reagindo ao duro programa de boicote imposto aos seus negócios pelo Ocidente, devido à invasão da Ucrânia, a Rússia reduziu o fornecimento de petróleo e gás à Europa a uma mera fração do que era, por vezes interrompendo-o totalmente.

Como todas as guerras um dia acabam e essa no Leste Europeu não deve durar tanto tempo assim, o mercado deve aos poucos se normalizar. O problema, no entanto, está no curto prazo: a Europa é extremamente dependente da importação dos combustíveis russos. Nada menos do que 60% do gás utilizado pela Alemanha em suas casas, lojas e indústrias, por exemplo, vêm da Rússia.

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Fonte:(https://ipesi.com.br)

Isto está fazendo com que o continente europeu se volte para um velho conhecido para garantir a geração de energia neste momento – o carvão. Os governos de diversos países da União Europeia, com a Alemanha à frente, estão revisando seus planos de abandono do carvão e abrindo margem para continuar queimando esse combustível no curto prazo, o que certamente causará um prejuízo danado aos compromissos climáticos da UE nesta década.

A demanda por carvão também está aumentando na China, que não vem sofrendo boicote de fornecimento nenhum – pelo contrário, o gigante asiático aumentou o volume de petróleo comprado à Rússia, tornando-se uma espécie de “mercado alternativo” para Moscou. Mas esse “extra” não tem sido suficiente.

Principal consumidor mundial de carvão, a China vem passando desde o ano passado por dificuldades no fornecimento de energia, o que também forçou um redirecionamento da política energética chinesa. Pequim, de fato, aprovou novos projetos de mineração e a construção de mais usinas termelétricas, na contramão de suas próprias promessas de descarbonização.

Já nos Estados Unidos, a Suprema Corte decidiu, no último mês de junho, que a Agência de Proteção Ambiental (EPA) não tem autoridade para deslocar a geração de eletricidade das usinas a carvão em direção a fontes alternativas. Uma guinada radical na direção de um uso mais prolongado desse combustível fóssil.

Todas essas revisões nas políticas energéticas da Europa, China e Estados Unidos terão, é claro, um alto custo climático. Uma análise do Global Energy Monitor (GEM) destacou que as emissões globais de metano decorrentes da extração de carvão podem aumentar, simplesmente, até 21,6% se todos os novos projetos de mineração em desenvolvimento entrarem em operação.

Isso implicaria na liberação de mais 11,3 milhões de t de metano por ano. Diga-se, aliás, que, hoje, a exploração de carvão já libera mais metano do que a produção de petróleo ou gás natural. De acordo com o GEM, as minas de carvão hoje em operação emitem 51,3 milhões de t de metano anualmente, bem acima das 39 milhões de t emitidas pela extração de petróleo e das 45 milhões de t liberadas pela produção de gás.

RELÍQUIA DE GUERRA

 

O carvão também pode voltar à cena como protagonista com a possível recuperação de um tipo de motor que parecia enterrado nas páginas dos livros de História: o motor a gasogênio.

De fato, há vários projetos de tratores e equipamentos agrícolas e florestais pipocando principalmente em universidades e institutos de pesquisa do planeta, até mesmo no Brasil (caso da Embrapa, a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), nos quais o personagem principal é o motor movido a gasogênio.

Muito utilizado nos tempos da Segunda Guerra Mundial (1939-45), esse equipamento pode ser acoplado a veículos, tratores e instalações fixas e semifixas, e funciona por meio da combustão parcial e controlada de carvão, ou opcionalmente de lenha ou resíduos das safras ou de processos de industrialização.

Praticamente todos os países, beligerantes ou não, o adotaram na Segunda Guerra, em maior ou menor escala, devido à escassez de gasolina. Na Grã-Bretanha, França, Estados Unidos, Alemanha, Suécia, Portugal, e mesmo no Brasil, um grande número de gasogênios foram construídos (ou ferozmente improvisados) para converter carvão ou madeira em combustível para veículos.

No Brasil, aliás, o gasogênio quase voltou às ruas em 1979, quando ocorreu a segunda crise do petróleo e o retorno do chamado “gás pobre” em veículos urbanos chegou a ser cogitado.

A revista Quatro Rodas até mesmo avaliou o desempenho de uma caminhonete Chevrolet C-10 equipada com gasogênio. Não convenceu muito. Além de não ser lá muito eficiente, o combustível gasoso que o motor produziu teve o desagradável efeito colateral de poluir o ar um pouco demais.

Para os pesquisadores que estão desenvolvendo os projetos, as limitações ao uso do gasogênio seriam, no entanto, “aceitáveis” em tratores agrícolas e florestais, ao contrário dos veículos urbanos, que, eles reconhecem, provocariam caso fossem adotados em massa nas cidades uma incontrolável poluição ambiental.

INCONVENIÊNCIAS DO MOTOR 

 

Diga-se que esse tipo de combustível não é mais usado nos veículos urbanos também por uma série de outros inconvenientes, além do ecológico. Começa que era necessário instalar um equipamento de grande porte na traseira ou na frente do veículo, o que não seria bem aceito nos dias atuais.

No caso dos caminhões era ainda preciso reduzir as dimensões e o peso do gasogênio a fim de adaptá-lo corretamente ao veículo, correspondendo plenamente às exigências, sem perder a potência do motor.

O combustível também apresentava baixo poder calorífico, principalmente na comparação com os combustíveis derivados do petróleo, como o óleo diesel e a gasolina. A formação do gás combustível, ademais, demorava cerca de 5 a 10 minutos,o que seria uma eternidade para motoristas que se desacostumaram a esperar o carro “esquentar”. O motor tendia também a parar com frequência.

Um motor a gasogênio contemporâneo, embora estivesse tecnologicamente a anos-luz dos equivalentes dos tempos da Segunda Guerra, também apresentaria algumas similaridades desagradáveis, como o fraco desempenho do motor diesel presente com o uso do “gás pobre”, problema ainda não inteiramente solucionado.

Outro entrave seria o econômico. Embora o custo por quilômetro rodado do gasogênio seja menor que o de todos os outros combustíveis, tais como o etanol e os derivados do petróleo, esses combustíveis são atualmente produzidos em abundância, e seus preços são razoáveis para os motoristas (nem tanto no Brasil).

Além do problema logístico: haveria, naturalmente, muito maior dificuldade com o abastecimento do gasogênio do que com os derivados do petróleo.

Segundo os projetistas, porém, se o gasogênio for empregado como combustível em veículos e máquinas usados na agricultura, como tratores agrícolas e florestais, colhedeiras automotrizes, e mesmo em instalações fixas, a grande maioria dos fatores negativos pareceriam mais aceitáveis.

De acordo com eles, esses equipamentos trabalham necessariamente a baixas velocidades, deslocando-se em pequenas distâncias e, portanto, não precisam de uma potência muito alta ou de alto poder calorífico do combustível. O peso extra do equipamento acoplado ao trator poderia, inclusive, proporcionar melhores condições de tração, e o combustível utilizado podia ser outro além do carvão e produzido na própria propriedade agrícola, utilizando produtos como bagaços de cana, sabugos de milho, cascas de frutas, entre outros.

Para voltar à cena, entretanto, o gasogênio precisaria primeiro ser de novo adotado pela legislação. Hoje, o gasogênio é uma modalidade não mais prevista em lei em quase parte nenhuma do mundo.

Ou seja, antes de se começar a usar o gasogênio nos veículos e equipamentos agrícolas, seria necessário redigir novas leis e obter a aprovação de órgãos oficiais ligados ao setor de transporte. O que seria uma verdadeira amolação para todos os envolvidos. Para saber mais acesse o site.

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Marcus Figueiredo

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